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O DNA missionário da Igreja Luterana - Missio Apostolica Brasil - Vol. 3

Em uma palestra no Concordia Seminary, Saint Louis, em 2016, o Rev. Michael Newmann fez uma afirmação que despertou a curiosidade de todos os participantes do evento. A afirmação pode ser resumida nas seguintes palavras: “O DNA da Igreja Luterana do Sínodo de Missouri [LCMS] é plantar igrejas, é movimento do evangelho [para o mundo] e é autossacrifício em favor do povo amado de Deus”. Essa fala resultou de longa pesquisa sobre a história das missões da LCMS e representa parte do argumento de um dos livros de Newmann.¹ Ao final da palestra, a curiosidade deu lugar ao ânimo para aprender mais sobre a missão de Deus por meio de luteranos, pois se percebeu que esse DNA missionário precisa ser examinado, mapeado e vivido também hoje.²

Em seu argumento, Newmann afirmou tanto a importância de preservar o evangelho de forma fiel às Escrituras como de compartilhá-lo com quem ainda não crê nele, como características essenciais da LCMS. Olhando para a história desse corpo eclesiástico até 1950, o autor demonstrou que os luteranos que seguiram o ensino de C. F. W. Walther fizeram um grande esforço para que os meios da graça chegassem a tantos quanto pudessem alcançar. Ou seja, a pregação da Palavra e a administração dos Sacramentos não serviram apenas para preservar a fé trazida da terra natal ou recebida dos pais, mas também para alcançar mais pessoas, sem distinção. E assim, congregações se multiplicavam não meramente porque aumentavam os imigrantes alemães no país ou porque a taxa de natalidade era muito maior do que hoje. Na verdade, o crescimento se deu pelos meios da graça, aplicados tanto para fortalecer o povo de Deus na fé em Cristo como para alcançar mais pecadores com o evangelho. Para que esses meios fossem aplicados, Newmann destaca, houve “autossacrifício” e “flexibilidade” com “criatividade” na maneira daqueles servos do passado se organizarem como igreja em missão.

O ponto mais importante disso tudo é que, conforme citado acima, essas características formam o que Newmann chamou de DNA do corpo da Igreja Luterana, referindo-se ao Sínodo de Missouri primeiramente. Isso animou a todos naquele evento, do qual pude participar como pesquisador das missões e membro da Lutheran Society for Missiology. Todos saímos da palestra com a convicção de que ser luterano é carregar um DNA que consiste em ver a si mesmo como instrumento do movimento do evangelho ao mundo, guiado pelo Espírito Santo. E isso não é sem motivo, pois a teologia da cruz tem como ponto de partida a vinda de Deus ao encontro de pecadores, como veio a nós pelo Batismo e pregação da Palavra. Trabalhar de modo a refletir essa ação é o DNA Luterano.

Expandindo a metáfora de Newmann, é possível dizer que a presente volume da Missio Apostolica Brasil começa a examinar o “gene teológico” desse DNA missionário para o leitor de fala portuguesa, apontando para possíveis implicações práticas desse gene, aqui no Brasil.

Nesse sentido, o volume começa com o artigo do Rev. Dr. Klaus Detlev Schulz, professor de Teologia Pastoral e de Missiologia do Concordia Theological Seminary, Fort Wayne. Schulz demonstra como os artigos VII e VIII da Confissão de Augsburgo, artigos esses que falam da igreja, serviram de base para afirmar que os meios para recebermos o que Cristo conquistou ao vir ao mundo agora precisam ser entregues ao mundo. E assim, partindo da definição da igreja em termos de Palavra e Sacramentos, explica Schulz, criou-se já no século XIX o que o autor chama de uma “eclesiologia missionária” do Luteranismo. Ao examinar obras e pregações de teólogos luteranos do século XIX, Schulz explica parte do que estou chamando de “gene teológico“ do “DNA missionário do Luteranismo“.

Entender o argumento de Schulz auxilia congregações hoje a evitarem visões distorcidas das missões. Uma delas é a terceirização da atividade missionária que, no passado ocorria quando sociedades missionárias trabalhavam distantes ou à parte das igrejas. Schulz lembra do importante papel dessas sociedades tanto no passado quanto hoje, sem deixar de pontuar que, para Walther, por exemplo, toda a igreja é chamada a ser uma grande sociedade missionária. Uma maneira saudável de refletir a partir disso é pensar nessas sociedades como instrumentos para facilitar as missões e para conectar pessoas a congregações, algo que a Hora Luterana tem feito por muitas décadas aqui no Brasil. Tanto pela teologia apresentada como pela reflexão prática que seu artigo evoca, Schulz oferece um texto muito importante para quem estuda missões em perspectiva luterana e para este volume da Missio Apostolica Brasil.

A presente volume, portanto, dá início a estudos da história e teologia das missões luteranas que revelam esse DNA missionário, com vistas ao enriquecimento do nosso conhecimento sobre quem nós somos e à reflexão para desafios do mundo de hoje.

Nesse sentido, os outros dois artigos deste volume exemplificam como elementos da teologia luterana ajudam a responder a questões contemporâneas. Uma delas é o problema de atitudes colonialistas na prática missionária, e a outra diz respeito à oportunidade de missões quando temos “imigrantes entre nós.” Enquanto o artigo de Schulz analisa as vozes do passado e aponta para desafios diante da igreja hoje, os pastores Francis Hoffmann e Gabriel Sonntag se utilizam de Lutero e de teólogos contemporâneos (George Tinker e Leopoldo Sanchez respectivamente), devidamente fundamentados nas vozes luteranas do passado, para dar respostas a alguns desses desafios do presente.

Hoffmann analisa de forma geral a tendência ao regramento da vida cristã nas abordagens missionárias de cristãos evangelicais como uma atitude que se assemelha à abordagem colonialista às missões. Como parte construtiva do artigo, ele demonstra como a teologia do primeiro mandamento segundo Lutero pode servir como fundamento para a reflexão missiológica, de maneira a moldar atitudes e a pregação no campo missionário. Uma das qualidades do artigo é a preocupação com a entrega do evangelho de forma contextualizada, algo que Hoffmann contrapõe à imposição de regras como meio de “evangelizar”.

Sonntag fala à oportunidade crescente de acolher ”imigrantes entre nós”, conforme o título de seu artigo sugere. Após descrever diferentes práticas e abordagens à acolhida de imigrantes, Sonntag mostra como a teologia luterana das vocações serve de lente para ver as ações da igreja diante de tal oportunidade. O artigo é muito útil, pois leva à percepção de que luteranos podem ter uma visão e ações moldadas por sua teologia, e não por ideais ou reações políticas sobre o tópico da imigração, que muitas vezes acabam influenciando ou até regendo posições e atitudes de pessoas cristãs diante de imigrantes.

Hoffmann e Sonntag ajudam o presente volume a exemplificar que luteranos carregam um DNA missionário e que de seu ”gene teológico” fluem ações que refletem a teologia que começa com a vinda de Deus ao mundo por meio do Filho.

Por fim, a seção final traz um sermão de caráter missionário de Walther e uma resenha escrita pelo Rev. Dr. André Vogel do livro Mission from the Cross (“Missão a partir da cruz”). Ambos os textos também exemplificam o DNA que reflete as ações do Deus que vai ao encontro de pecadores pelos meios que ele mesmo estabeleceu.

Que este volume anime você, caro leitor, a buscar aprender mais sobre a missão de Deus no mundo e a vivê-la no seu dia a dia!


Rev. Dr. Samuel Reduss Fuhrmann

Representante da Lutheran Society for Missiology para o Brasil.


¹ NEWMANN, Michael. Gospel DNA. E-book, 2016.

² “DNA” é uma sigla usada na Biologia para designar uma molécula (ácido desoxirribonucleico) que está relacionada às características fisiológicas e físicas do corpo humano e de outros seres vivos. Metaforicamente, a sigla é utilizada para referir-se às características mais marcantes de alguma coisa. É nesse sentido que a sigla é empregada aqui ao falar-se de um DNA missionário do corpo eclesiástico do Luteranismo


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